A Suzano celebra 100 anos nesta segunda-feira, em meio ao maior ciclo de investimentos de sua história e com a proposta de construir um legado com foco em sustentabilidade. Apenas nos últimos quatro anos, a maior produtora mundial de celulose de mercado investiu mais de R$ 60 bilhões em suas operações. Depois de desembolsar R$ 18,5 bilhões em 2023, a companhia prevê outros R$ 16,5 bilhões neste ano.
Os recursos dos últimos quatro anos foram direcionados a projetos como o de Cerrado, maior linha única da matéria-prima no mundo, que está sendo erguida em Ribas do Rio Pardo (MS), e à compra de ativos industriais e florestais que pavimentaram o caminho para novas rodadas de crescimento no país.
Olhando à frente, a ambição é transpor as fronteiras brasileiras com unidades produtivas no exterior — um primeiro passo, ainda tímido, já foi dado na Finlândia — e seguir ampliando o portfólio de bioprodutos, além de reforçar seu papel como agente de transformação da sociedade, sobretudo no enfrentamento das mudanças climáticas.
A base florestal, hoje de 1,7 milhão de hectares plantados de eucalipto (além de ao menos 1 milhão de hectares de preservação), tem papel central nos planos para o futuro. "É um ativo de difícil replicabilidade, com potencial ainda desconhecido. Focamos a alocação de capital em rotas que criem valor e aproveitem as oportunidades. Cada vez mais a Suzano vai buscar fazer bioprodutos e biossoluções, complementando seu portfólio", observou David.
Aos olhos da companhia, há consciência no mundo sobre a crise climática em curso, mas as iniciativas ainda são insuficientes frente aos riscos a que estão expostos o meio ambiente e a sociedade. Por isso, como parte de seu projeto de legado para os próximos 100 anos, vai investir até US$ 100 milhões em pesquisa e educação para a sustentabilidade. Inicialmente, US$ 30 milhões serão direcionados a iniciativas em parceria com a Universidade de Cambridge, do Reino Unido, com a Escola Doerr de Sustentabilidade de Stanford, dos Estados Unidos, e com a organização não-governamental IUCN.
"Nosso legado é poder ser um dos alavancadores nesse rocesso de transformação para o futuro da sociedade global. Não teremos bioeconomia e sociedade equilibrada se não tivermos bioconsumidores. Acreditamos que nossa responsabilidade geracional é trabalhar nessa questão, porque não há mais tempo para evitar o ponto de reversibilidade", disse o CEO Walter Schalka, há mais de uma década à frente da companhia.
A história da Suzano começa em 1924, quando o imigrante ucraniano Leon Feffer, pai de Max Feffer e avô de David, constituiu no país um comércio de papéis. Cinco anos depois, o negócio cresceu com uma tipografia e uma fábrica de sacos de papéis. Mas o início da Segunda Guerra Mundial impôs obstáculos à importação de papel, levando Leon a vender todos os seus bens e a investir os recursos para produzi-lo localmente.
Com a chegada de Max aos negócios, quatro anos depois do fim da guerra, vieram os testes pioneiros com eucalipto (1952) para produção de celulose no Brasil. A aposta vingou e projetou a Suzano globalmente. De lá para cá, a história é conhecida também por causa da rara longevidade do grupo, mas foram muitos os desafios e riscos assumidos na jornada de construção de uma companhia que, hoje, vale em bolsa mais de R$ 70 bilhões, e tem receita líquida anual da ordem de R$ 50 bilhões e 40 mil funcionários diretos e indiretos. "Empreender é ser meio maluco e acreditar em planos que estão além do papel. É preciso ter vontade e fé, levantar depois de cair", afirma David Feffer.
O chairman da Suzano conta que, embora seus antepassados sejam sua referência, muita gente o inspira. "Sou curioso para aprender e todo mundo tem alguma coisa boa [a entregar]", diz o empresário. Da mesma forma que as empresas, observa, a economia global se transforma e, após décadas de crescimento, hoje há inflação, enfraquecimento econômico, redesenho da geopolítica e "muita raiva no mundo".
"O mundo tem raiva não porque não tem necessidades atendidas, mas porque a informação flui muito rapidamente e o que acaba guiando as pessoas é a inveja [sentimento sobre o qual dois ícones das finanças, Warren Buffett e Charlie Munger, da Berkshire Hathaway, já falaram algumas vezes]. Essa conjuntura traz alguns solavancos e ventos contrários, mas não é o fim do mundo. É um momento que pode trazer oportunidades. Acho que vamos sair melhores, e a empresa vai sair melhor", ponderou.
Se na década de 50 a Suzano se destacou globalmente pela aposta pioneira em celulose de eucalipto (fibra curta) para produzir papel, outro movimento decisivo foi dado entre 2018 e 2019: a fusão com a Fibria. Nascida da junção entre Aracruz e Votorantim Celulose e Papel (VCP) em 2009, a "jovem" Fibria era tida como a consolidadora da indústria de celulose e papel no país, num movimento considerado inexorável. "O setor sabia que a consolidação era condição "sine qua non" para sua sobrevivência. Quando se está empreendendo, é preciso aproveitar a conjuntura [favorável] e a fusão com a Fibria foi um momento difícil, mas que deu certo. Hoje, a cultura [da Suzano] incorpora o melhor das duas companhias", diz Feffer.
A Suzano já era relevante na indústria global, mas a escala alcançada com a compra da rival abriu novas possibilidades e garantiu geração de caixa suficiente para grandes saltos em curto intervalo de tempo. Com tamanho duplicado em receitas e capacidade de produção de 11 milhões de toneladas por ano de celulose de mercado, se viu na confortável posição de poder financiar um projeto de R$ 22,2 bilhões, batizado de Cerrado, com recursos próprios.
Ao mesmo tempo, arrematou ativos florestais da Parkia e da Vitex por US$ 667 milhões, ativos de papéis de higiene (tissue) da Kimberly-Clark no Brasil por cerca de R$ 875 milhões e, há poucas semanas, terras de empresas do BTG Pactual por R$ 1,83 bilhão. Há outras dezenas de projetos em execução.
A partir da compra dos ativos da Kimberly-Clark, a companhia fundada pela família Feffer garantiu a liderança no mercado brasileiro de papel higiênico, segmento que começou a explorar em 2017. Em outra frente, está quadruplicando a capacidade de produção de celulose fluff, usada em fraldas descartáveis e absorventes, e pode se tornar a maior produtora local — a companhia também foi a primeira a usar o eucalipto para obter esse tipo de celulose.
"A Suzano investe de forma contínua independentemente da situação econômica e dos desafios no país. É importante destacar sua visão de empreendedorismo ao longo da história", diz Schalka. Com a meta de reinvestir ao menos 90% da geração de caixa e a entrada em operação de Cerrado, contribuindo com ainda mais caixa, a tendência é de aceleração dos investimentos nos próximos anos.
Dentro da companhia, cinco pilares estratégicos norteiam a estratégia de investimento atual: busca de competitividade, relevância no mercado global de celulose, verticalização, novos negócios e novos usos da árvore e sustentabilidade, em movimentos que podem ser orgânicos ou via fusão e aquisição (M&A, na sigla em inglês). Em termos de competitividade, a Suzano dará um passo relevante com o projeto Cerrado. Ali, o custo caixa de produção de celulose ficará inicialmente em R$ 500 por tonelada, mais de 40% abaixo do custo caixa médio atual, que já é um dos mais competitivos do planeta.
Há iniciativas em outras frentes, via redução da compra de madeira de terceiros, ampliação da área de terras próprias, modernização de diferentes unidades industriais e em logística — a Suzano acaba de receber da Cosco Shipping o "Green Santos", navio projetado pelo armador chinês para a empresa brasileira que é o maior de sua categoria em todo o mundo. "É uma empresa com um nível de competitividade diferente, o que confere robustez importante contra a volatilidade dos preços da celulose. Mesmo com preços baixos, a Suzano vai gerar caixa", afirma Schalka.
O negócio de embalagens, que a companhia explora por enquanto apenas por meio do fornecimento de cartões para caixas, é uma das apostas para o futuro. Conforme Schalka, a discussão hoje é sobre como participar desse mercado. "Ainda estamos discutindo, mas a Suzano acredita na fibra curta como parte relevante de competitividade nesse mercado no longo prazo", afirmou. A fibra longa, de pinus, ainda domina esse mercado. No Brasil e em determinados segmentos também globalmente, outra brasileira, a Klabin, é o grande expoente em embalagens. "Têxtil, embalagens e bioprodutos são as três principais vertentes com potencial no longo prazo", disse.
Fonte: Valor