Empreender no dicionário significa "realizar uma tarefa difícil e trabalhosa". Foi justamente o que Lucimara da Costa Vilhalba, uma vendedora de 43 anos, de Ribas do Rio Pardo, a 97 quilômetros de Campo Grande fez. Em setembro de 2020, em meio a uma pandemia de Covid-19, durante uma crise econômica mundial, ela decidiu realizar seu sonho e abriu seu próprio negócio. Veja mais no vídeo acima.
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Empresária de Ribas do Rio Pardo, Lucimara, e a sobrinha Fabiana, na primeira sede de sua lavanderia — Foto: Lucimara Vilhalba/Arquivo Pessoal
A história da "Lavanderia Rio Pardo" que caminhava, até então, para ser uma maratona – uma prova de longa distância e de tempo – rumo ao crescimento, se transformou subitamente em uma corrida de 100 metros – de grandes resultados em curto espaço de tempo – graças ao impulso que não somente a empresa, mas toda a economia da cidade recebeu a partir do anúncio da instalação e começo das obras de uma grande indústria, uma planta de produção de celulose da Suzano.
Em maio de 2021 foi iniciada a construção da fábrica. A companhia investe R$ 19,3 bilhões para instalar uma planta com capacidade de produção de 2,55 milhões de toneladas por ano – uma das maiores do mundo.
A previsão é que a indústria esteja em operação em 2024. Atualmente, 4 mil pessoas trabalham no canteiro de obras da empresa e, no primeiro semestre de 2023, no pico da construção, esse número vai chegar a 10 mil. Quando estiver produzindo, a fábrica vai empregar diretamente 3 mil colaboradores.
"Eu abri baseada unicamente no sonho mesmo. Não tinha nada de informação de fábrica. Sempre quis ter meu próprio negócio. Quando a notícia da indústria chegou, ficou todo mundo assim, na expectativa, empolgado, com a perspectiva de crescer. E foi isso que aconteceu. Eu acredito muito na minha cidade. O nome da minha lavanderia, é Rio Pardo, mais riopardense impossível. Amo esse lugar e adoro viver aqui. É ótimo ver esse crescimento", comenta.
Alavancada pelo aumento da demanda de serviços provocado pela instalação da indústria, a lavanderia de Lucimara deu um "sprint" na corrida do desenvolvimento. Em pouco mais de um ano o número de clientes cresceu tanto que ela precisou investir na compra, financiada, de uma linha industrial de máquinas de lavar e de secar. Para abrigar o novo maquinário teve de se mudar do espaço de 60 metros quadrados em sua casa, para um imóvel de 400 metros quadrados, no centro da cidade.
Nova sede da lavanderia Rio Pardo, em Ribas do Rio Pardo — Foto: Lucimara Vilhalba/Arquivo Pessoal
Se antes, a lavanderia contava somente com a sobrinha de Lucimara para fazer todas as funções, atualmente já tem quatro funcionários, todos, devidamente formalizados. Ela também precisou buscar um sócio, para auxiliá-la no gerenciamento do negócio.
O sucesso da lavanderia faz Lucimara já pensar nos próximos passos. Ainda se dividindo entre o emprego e a sua empresa, ela planeja se dedicar totalmente ao próprio negócio. Também vai aproveitar um benefício concedido pelo município, a cessão de um terreno no distrito industrial, para começar, a partir de 2023, a construção de sua sede própria.
"Me surpreendi, porque chegou um momento em que eu queria muito, mas nunca imaginei que seria nesse patamar. No começo recebemos muita ajuda. As pessoas indicavam uma para a outra os nossos serviços. Com a vinda da fábrica isso aumentou muito. Só tenho a agradecer, principalmente a minha família e, em especial, a minha mãe, a minha maior incentivadora", comenta a empreendedora, completando que pretende fazer capacitações oferecidas pelo Sebrae/MS nos próximos meses para melhorar ainda mais a gestão da lavanderia.
"Os técnicos já estiveram na lavanderia e feito um primeiro contato. Sei ser necessário ter esse suporte. Eles estão fazendo várias palestras para levar informações a outros empresários da cidade e eu estou buscando me organizar para nos próximos meses fazer uma capacitação", conclui.
O gerente da unidade de competitividade empresarial do Sebrae/MS, Rodrigo Maia, explica que a chegada de uma "empresa âncora" a um município oferece uma série de oportunidades as micro e pequenas empresas, como no caso da fábrica da Suzano oportunizou a lavanderia de Lucimara, em Ribas do Rio Pardo. Ele comenta que essas chances são apresentadas em dois grandes momentos: durante a instalação da indústria e quando a fábrica está em operação.
"Primeiro, as micro e pequenas empresas têm a oportunidade de atender diretamente as indústrias, com bens e serviços. Também podem ser fornecedores das empresas contratadas ou subcontratadas dessas gigantes. A terceira oportunidade é o que chamamos de "efeito renda", sendo a cadeia formada, por exemplo, por açougues, supermercados, farmácias, restaurantes e imobiliárias, entre outras, que vai atender dos colaboradores aos gestores das outras empresas", explica.
O prefeito de Ribas do Rio Pardo, João Alfredo Danieze (PSOL), aponta que o efeito da instalação da fábrica na cidade foi quase imediato. O município, que antes tinha 25,3 mil habitantes (estimativa de 2021 do IBGE), ganhou, aproximadamente mais 5 mil moradores em razão da obra. A arrecadação municipal também cresceu muito, aumentando a disponibilidade de recursos para investimentos em áreas como saúde, educação e assistência social, entre outras. Somente com o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (Issqn), o incremento foi de 93%, entre 2020, R$ 6,6 milhões, e 2021, 12,8 milhões. Veja mais no vídeo acima.
"Registramos um superavit de quase um terço do orçamento anual em 2021. O previsto era R$ 120 milhões e arrecadamos R$ 150 milhões. Neste ano também estamos percebendo isso. Já arrecadamos 50% do projetado para o ano, sendo ainda maior do que o ano passado e chega a R$ 185 milhões. É um acréscimo significativo e será ainda maior quando a fábrica estiver em operação, o que deve nos levar a triplicar nossa receita".
— Foto: Foto: Bruno Rezende
Danieze diz que o setor produtivo, principalmente os segmentos de comércio e de serviços, está eufórico, com grande crescimento nas atividades relacionadas a hotelaria, gastronomia, construção civil e comércio. "Eles estão percebendo a grandiosidade disso, mas o impacto, propriamente dito deve vir entre o fim deste ano e o começo do próximo".
"A fábrica atrai uma série de outras atividades econômicas que não tínhamos, como uma cozinha industrial e uma lavanderia industrial. Agora temos às duas. A rede hoteleira não tinha a capacidade que tem hoje e tem várias atividades surgindo. Ribas vai receber, por exemplo, uma indústria química que vai gerar 80 empregos diretos e fornecerá produtos químicos usados no embranquecimento da celulose para Suzano. Costumo dizer que temos dois canteiros de obras. Um da fábrica, o outro na cidade, tamanha a quantidade de construções", relata.
Lar Doce Bar Choperia, aberta em Ribas do Rio Pardo — Foto: Lar Doce Bar Choperia/Divulgação
Entre as empresas recém-instaladas em Ribas do Rio Pardo está o "Lar Doce Bar choperia". O empreendimento explora um conceito novo para a cidade e o movimento em pouco mais de 15 dias de abertura está superando todas as expectativas, segundo os dois sócios: Jailson de Oliveira Plácido e Wagner Luciano Nascimento da Silva. Veja mais no vídeo acima.
"A vinda da indústria foi o principal fator do nosso investimento. Nós, que moramos na cidade, sabemos da necessidade que a população tem. Veio uma quantidade de pessoas muito significativa e não tinha entretenimento. Então, percebemos no ramo alimentício uma grande falta de opções. Havia dias que as pessoas saiam à noite e nem sequer tinham onde se sentar na cidade. Por isso, após várias pesquisas e levantamentos, decidimos trazer essa ideia para cá", relata Jailson.
Os dois são riopardenses. Além de empreendedor, Jailson é arquiteto e tem escritório montado na cidade. Wagner estava morando em São Gabriel do Oeste, com a esposa, Alessandra Barbosa dos Santos. O casal trabalhava com confinamento de gado de corte, mas decidiu voltar para a cidade natal de olho nas oportunidades de negócio que se abriram em meio a chegada da gigante industrial.
"Em 2016, quando saímos da cidade a situação era difícil. Ribas estava praticamente abandonada. Por isso, na primeira oportunidade que tivemos, mesmo a mais de 300 quilômetros de distância da família, nós fomos. Quando a construção da fábrica teve início e a economia da cidade começou a aquecer tivemos vontade de voltar. Mas, ao mesmo tempo, ficava aquele receio, por ser uma cidade pequena. Então decidimos fazer uma aposta e acreditar. Começamos a desenhar o projeto em janeiro deste ano com o Jailson. Entre março e abril a cidade alavancou. Foi de um mês para o outro e, aí tivemos a certeza de que estávamos no caminho certo. Não tinha mais volta", explica Alessandra.
Atualmente, a choperia tem três funcionários fixos e a dedicação integral de Wagner e Alessandra. Jailson reforça o time aos fins de semana, mas os empresários dizem que para atender o grande movimento estão contratando "diaristas". "No fim de semana contratamos pessoas que trabalham por diária, mas vamos precisar de mais colaboradores fixos. Entretanto, a mão de obra no município está complicada. Não estamos encontrando trabalhadores e isso é uma situação que todos os empreendedores estão enfrentando. Estão sendo abertas várias empresas novas e tem outras, de vários estados do país vindo para cá, mas a população precisa embarcar junto, ser capacitada, para não ficar para trás", analisa Wagner.
Com movimento bem acima das expectativas na choperia, o trio de empresários revela que já planeja o futuro. "Isso é uma coisa que já conversávamos antes da abertura. Reservar uma parte do lucro para um fundo. Esses recursos poderão ser utilizados futuramente para abrirmos uma filial ou até mesmo um novo negócio, a medida que percebermos o que a população da cidade precisa e demanda. Somos jovens, sonhadores e queremos aproveitar esse momento especial da nossa cidade. É muito gratificante ver como Ribas está crescendo", apontam.
Ações de apoio
Segundo o gerente da unidade de competitividade empresarial do Sebrae/MS, antes mesmo do anúncio oficial da instalação da fábrica da Suzano em Ribas do Rio Pardo, a entidade e a empresa âncora já faziam um trabalho para que o município, o setor produtivo e a população, pudessem aproveitar as oportunidades que a chegada do empreendimento oferecida. O objetivo também era preparar a cidade para mitigar os outros impactos, como, por exemplo, o aumento abrupto do número de moradores e da demanda por serviços públicos na saúde, educação, segurança e infraestrutura.
Ele comenta que foi elaborado um mapa de oportunidades, listando, a partir da visitação "in loco", mais de 1,2 mil empresas de vários segmentos de Ribas do Rio Pardo e cidades próximas, como Campo Grande, Água Clara e Três Lagoas. Esses empreendimentos poderiam ser fornecedoras de produtos e serviços para a indústria.
Além disso, Maia diz que a empresa âncora e o Sebrae/MS vão implementar a partir de julho o programa Semear. A iniciativa é voltada ao desenvolvimento de fornecedores, com ações que duram entre 6 e 8 meses e abrangem do diagnóstico da situação do empreendimento até a consultoria. Mais de 127 empresas já se inscreveram para participar.
Em parceria com o município, ele relata que estão sendo desenvolvidas ações do Cidade Empreendedora. O programa é voltado a dinamizar a economia da cidade e já tem várias atividades realizadas, como: aprimoramento de lideranças, elaboração do plano de desenvolvimento econômico, implementação de políticas públicas para desburocratizar o município, melhorar o ambiente de negócios e ainda incentivo as compras públicas das micro e pequenas empresas, entre outras.
Uma das ações mais recentes, conforme Maia, foi uma visita técnica que em junho levou uma equipe de oito pessoas da prefeitura para conhecer Telêmaco Borca e Otigueira, no Paraná. Às duas cidades tem porte similar ao do município sul-mato-grossense e também foram impactadas pela instalação de uma indústria âncora, no caso, uma planta da celulose da Klabin, construída entre 2014 e 2016.
O prefeito de Ribas do Rio Pardo diz que trouxe desta visita uma série de experiências que vão ajudar a minimizar os impactos e enfrentar as adversidades decorrentes da instalação do empreendimento.
"Criamos forças-tarefas para algumas demandas mais urgentes. O estado nos cedeu 12 novas salas de aula. Já licitamos e vamos iniciar a construção nas próximas semanas. A assistência social capacitou os servidores para receber os programas que isso pode gerar. Temos problema de trânsito, devido a maior circulação de veículos. Discutimos com o DNIT [Departamento Nacional de Infraestutura de Transporte] para ter uma travessia mais segura da rodovia e com o Detran/MS [Departamento Estadual de Trânsito] para contarmos com mais sinalização, inclusive, com semáforos, o que não temos hoje na cidade. Temos problemas ligados diretamente aos alojamentos, porque é necessário que os trabalhadores tenham mais estrutura de lazer e esporte, assim como na saúde, onde já aumentamos a quantidade de médicos e uma série de outras situações que estão surgindo e estamos trabalhando nelas", pontuou.
Em contrapartida, Danieze diz que está doando lotes para micro e pequenos empresas possam se estabelecer no distrito industrial do município, assim como está agilizando a concessão da licença prévia para a instalação dos empreendimentos nessa área. Também está retomado alguns terrenos que não foram utilizados pelos antigos beneficiários nestes locais.
Além disso, em parceria com entidades do sistema "S", como o próprio Sebrae/MS, o Senai, o Senac, o Senat e o Senar, tem ações voltadas para a capacitação. "Temos mais de 200 pessoas fazendo curso técnico do Senai com bolsa de R$ 1,5 mil paga pela Suzano. A iniciativa, além de qualificar mão de obra, vai oferecer a oportunidade para que os melhores alunos possam ser contratados pela empresa", comentou.
Contrapartida da indústria
Canteiro de obras da Suzano, em Ribas do Rio Pardo — Foto: Suzano/Divulgação
A empresa âncora diz que a contrapartida ao município começou antes mesmo da terraplanagem da obra. A indústria cita uma série de ações, entre elas: um programa de educação que contribui para o desenvolvimento de estudantes e beneficia 4 mil alunos de 10 escolas; cursos de qualificação nas áreas industrial e florestal em parceria com o Senai e com uma série de atrativos para a população local, como bolsa-auxílio, alimentação e oportunidade de contratação, após a conclusão.
Também é relacionado uma parceria com a prefeitura para incentivar jovens e adultos a concluírem os estudos e um curso preparatório gratuito para o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).
A Suzano informa também que tem um pacote de ações do denominado Plano Básico Ambiental (PBA) que prevê R$ 48 milhões em investimento no município para melhorias e projetos nas áreas de saúde, educação, habitação, segurança pública e segurança no trânsito.
Segundo a companhia, são mais de 20 iniciativas. Uma das principais é a reforma do hospital municipal, prevista para ser iniciada em setembro deste ano. Vai ser ampliada a capacidade de atendimento da unidade de saúde, com a implementação de mais 10 leitos de terapia intensiva (UTIs), sendo seis totalmente equipados pela empresa.
Ainda previstos no plano estão o apoio a projeto habitacional com construção de casas populares para famílias sem renda inscritas no cadastro único do município; a adequação do trevo de acesso à cidade na BR-262; a implantação de uma nova delegacia de Polícia Civil, uma nova base para a Polícia Rodoviária Federal na BR-262; e apoio na melhoria da estrutura física da Polícia Militar para comportar o aumento do efetivo, o que possibilitará a transformação do batalhão em companhia.
Usina Santa Luzia, da Atvos, em Nova Alvorada do Sul — Foto: Atvos/Divulgação
O processo vivenciado por Ribas do Rio Pardo atualmente foi experimentado por Nova Alvorada do Sul, cidade a 115 quilômetros de Campo Grande, há pouco mais de uma década. Entretanto, em vez de uma planta de produção de celulose, se instalou na cidade, em 2009, uma usina sucroenergética, a Santa Luzia, do grupo Atvos.
O g1 entrou em contato com a prefeitura da cidade para falar sobre os impactos dessa década de instalação da empresa, mas até a mais recente atualização da matéria não obteve retorno.
Como aponta o próprio site da prefeitura de Nova Alvorada do Sul, durante muitos anos, o município ficou conhecido como "Entroncamento", por conta da cidade ser um ponto de conexão entre as rodovias BR-267 e BR-163. A chegada da indústria âncora mudou a perspectiva da cidade. O município atualmente é um dos maiores produtores de cana-de-açúcar do país, o 11º no estado e a 75ª no país, entre as cidades mais ricas do agronegócio.
Segundo o gerente de Pessoas & Administração do Polo Sul da Atvos, Erico Baracho, a usina em operação na cidade é uma das principais unidades da companhia. Na safra passada moeu 5,5 milhões de toneladas de cana para produzir 420 milhões de litros de etanol e cogerar 385 GWh de energia elétrica. Sozinha, emprega 1,6 mil pessoas diretamente e gera ainda cerca de 4,8 mil empregos indiretos.
Com a instalação da usina, em apenas um ano, o número de habitantes cresceu quase 30%, saltando de 12,6 mil, em 2009, para 16,4 mil em 2010, segundo informações do banco de dados da secretaria estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (Semagro). Atualmente, a população estimada pelo IBGE é de 22,9 mil pessoas.
A Semagro aponta que, comparando os dados de uma década de instalação da usina, entre 2010 e 2019, a chamada "arrecadação própria" do município, que engloba tributos como IPTU, ISS, ITBI e taxas, entre outras, cresceu 114,11%, passando de R$ 8,8 milhões para R$ 19 milhões. No mesmo intervalo de tempo, o Produto Interno Bruto (PIB) teve um incremento de 226,3%, e foi de R$ 458,6 milhões para R$ 1,5 bilhão por ano. A quantidade de estabelecimentos comerciais pulou de 201 para 375, 86,5% a mais.
— Foto: Prefeitura de Nova Alvorada do Sul/Divulgação
O gerente da Atvos destaca que em Nova Alvorada do Sul um dos principais focos de atuação da empresa foi na qualificação da mão de obra local. "Em um primeiro momento, uma contrapartida muito ativa foi a capacitação das pessoas. A cidade não tinha a cultura da cana, como os municípios do interior de São Paulo, por exemplo, e nos já chegamos com 100% de mecanização na área agrícola. Não tinha operador de colhedora, tinha poucos operadores de trator, mas não em quantidade suficiente. Então, fizemos muito treinamento no início, tanto para a área agrícola quanto para a industrial".
Ele cita como outras ações voltadas a comunidade neste período: doações de álcool 70% para o enfrentamento da pandemia de Covid-19, doação de mais de 3 mil mudas de espécies do cerrado em 2021 para recuperação de terras degradadas da região, e outras iniciativas de educação e conscientização da população local, como Maio Amarelo, Campanha de Combate e Prevenção a Incêndios e ações de voluntariado.
Além disso, a empresa também possui projetos voltados para a inserção da população de Nova Alvorada do Sul no mercado de trabalho, por meio de qualificação profissional. Com o projeto Movimento Comunidade, foram capacitadas 24 alunas para a operação de máquinas agrícolas na colheita e no plantio mecanizado. Das participantes, 23 foram aprovadas e contratadas.
Para Baracho, passada uma década da instalação da usina, o legado já está estabelecido, mas a companhia continua sendo parceira do município no desenvolvimento de novos projetos. "Hoje, a própria prefeitura trabalha para criar em Nova Alvorada do Sul um polo de negócios. Tem uma série de oportunidades, até pela localização estratégica da cidade. Uma das ações que vamos desenvolver em conjunto deve ser um projeto para que o aeroporto da cidade possa receber voos comerciais".
Andressa Augusta da Silva, secretária da usina acompanhou de perto a década de transformações em Nova Alvorada do Sul. "Vim de Rondônia, com meu esposo, que era líder de frente agrícola, em 2011. Trabalhei um ano em um cartório e depois entrei na usina. Quando eu cheguei a cidade não tinha metade das casas que tem hoje. Surgiram três bairros novos, hotéis e muitas outras empresas. Teve colaborador da usina que constatou a oportunidade de empreender, deixou a empresa e abriu seu próprio negócio. Outros fornecedores, mudaram de ramo, para aproveitar as possibilidades", comenta.
Entre os ex-funcionários da usina que empreenderam em Nova Alvorada do Sul está o engenheiro eletricista Jessel Flávio dos Santos, de 33 anos. Nascido em Deodápolis, município da região da grande Dourados, ele trabalhou por 3 anos na usina Eldorado, outra planta do grupo, em Rio Brilhante e 10 anos e meio na Santa Luzia, onde era supervisor de manutenção elétrica, geração de energia e automação.
No dia a dia percebeu que a empresa enfrentava muitas dificuldades quando precisa mandar um equipamento para a manutenção elétrica, tendo que enviar a máquina para o interior de São Paulo para reparos. "A região era muito carente na parte de recondicionamento de motores elétricos e na manutenção preventiva. Sempre que tinha uma demanda, a usina tinha que encaminhar para o interior de São Paulo. Além do tempo, tinha também a questão do custo, que aumentava muito. Percebendo isso, em 2020 resolvi deixar a Atvos e abrir um negócio para prestar serviço para a companhia e para outras grandes empresas da região".
Sede da JF Eletromotores em Nova Alvorada do Sul — Foto: Google/Reprodução
A JF Eletromotores começou pequena. Os equipamentos eram menores e além de Jessel havia mais um funcionário. Menos de dois anos depois, a empresa está com uma boa clientela em toda a região. O número de funcionários aumentou e hoje cinco pessoas trabalham no empreendimento. "Estamos aumentando a estrutura conforme a demanda, mas a expectativa para o próximo ano é bem melhor".
Jessel atribui a oportunidade de empreender ao efeito positivo provocado pela empresa âncora na economia local. "A usina em Nova Alvorada é responsável por boa parte da economia e das empresas que estão no entorno. Várias empresas foram abertas devido à usina. Nós que trabalhamos com motores elétricos, o pessoal da usinagem, da mecânica da linha pesada. Não tinha antes. Muitas pessoas passaram a olhar com interesse, com outra perspectiva para a cidade, por causa da usina. E tem espaço para crescer muito mais. Eu diria que a prestação de serviço está começando a engatinhar. A demanda ainda é muito grande e com várias oportunidades", destaca.
A apresentação da empresa chilena foi feita junto ao governo de Mato Grosso do Sul — Foto: Lorena Segala/TV Morena
Se Ribas do Rio Pardo representa o agora, em que a gigante está se instalando e Nova Alvorada do Sul, simboliza a consolidação do processo, Inocência é o futuro. Em meados de junho, foi anunciado a construção de uma fábrica de celulose, da empresa chilena Arauco, no município, que fica na costa leste de Mato Grosso do Sul, a 331 quilômetros de Campo Grande.
A empresa já tem áreas cultivadas com eucalipto no município para suprir a demanda da planta, que terá um investimento de R$ 15 bilhões. A obra deve gerar 12 mil empregos no pico da construção e 250 diretos e pelo menos 300 indiretos quando entrar em operação.
Somente com o anúncio, o prefeito de Inocência, Antônio Ângelo Garcia, o Toninho da Cofapi (sem partido), diz que a cidade já está "bombando". Segundo ele, o projeto foi idealizado há mais de uma década, mas não havia avançado, até que foi retomado no ano passado.
"A base da nossa economia é a pecuária de corte e de leite, além do plantio de florestas. A instalação dessa fábrica gerou uma expectativa muito grande na cidade, porque a economia estava estagnada. Nossos jovens tinham que sair de Inocência para estudar e trabalhar. Agora a situação já está mudando. Não temos mais casa para alugar e os hotéis já enfrentam falta de leitos", exemplifica.
A cidade tem, segundo a estimativa mais recente do IBGE, 7,5 mil habitantes, mas o prefeito projeta que quando a fábrica estiver em operação esse número vai mais que dobrar, chegando a 18 mil ou 20 mil pessoas.
Para se preparar para receber a planta, Toninho da Cofapi diz que vai elaborar um projeto de desenvolvimento sustentável. O objetivo é evitar problemas que cidades que estão vivenciando processos semelhantes estão enfrentando.
"Queremos o progresso, mas de foma organizada, para que as pessoas não queiram somente trabalhar em Inocência, mas que também queiram viver em nossa cidade", ressalta.
Entre as ações já iniciadas nesse planejamento, ele cita a implantação de núcleos industriais próximos aos trevos de acessos que levam para outras cidades e a articulação para a construção de pelo menos uma nova escola, para ampliar o hospital municipal, reforçar a segurança pública e construir mais habitações populares.
O presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Sistema Fiems), Sérgio Longen, ressalta o papel da entidade no processo de industrialização e diversificação da economia do estado, sobretudo no que se refere ao suporte para as empresas se instalarem.
"Essa assistência é feita não somente por programas de qualificação, mas também no apoio na implantação e suporte. Por exemplo, quando uma grande empresa se instala, temos um programa de formação de fornecedores que prepara as pequenas empresas locais para venderem seus produtos e serviços para essa grande indústria. São projetos complementares que fazem parte do nosso trabalho, não somente do Sistema Indústria, mas do próprio Sebrae".
"Nós falamos agora em celulose, mas isso ocorre em vários municípios e com empresas de diversos segmentos. Em Paranaíba vai acontecer nos próximos dias com a indústria de etanol de cana. Tem indústrias de etanol de milho e ampliação de suinocultura também. Muitas vezes nós pensamos somente no impacto de grandes empresas nas cidades, mas a implantação de uma suinocultura em Rio Negro, por exemplo, tem um impacto semelhante. Também vai afetar a economia e poderá enfrentar, da mesma forma, a falta de mão de obra", comenta.
Para incentivar e apoiar esse processo, o secretário disse que o governo do estado tem atuado de forma sistêmica e simultânea em várias frentes. "A primeira questão é a infraestrutura. Temos focado muito na melhoria de infraestrutura...Mas, por outro lado, tem uma demanda social também grande. Em Ribas, por exemplo, temos um olhar sistêmico sobre saúde e educação. Na cidade estamos construindo 54 salas de aula no ensino médio e estamos preparando a infraestrutura".
Verruck aponta, entretanto, que a falta de mão de obra qualificada pode ser um gargalo neste caminho. "Estive no sábado, em São Gabriel do Oeste. A Aurora vai investir R$ 380 milhões e gerar mais de mil empregos. Para atender essa unidade, a empresa vai ter que qualificar trabalhadores de toda a região, englobando Rio Negro, Bandeirantes e Rio Verde, além de São Gabriel do Oeste. A JBS, em Dourados, vai precisar de mais 2,5 mil pessoas e por aí vai. Temos a Suzano, em Ribas. Vai ter A Arauco, em Inocência", comenta.
Verruck lembra que Mato Grosso do Sul tem a menor taxa de desocupação do país e a terceira melhor geração de empregos formais e, que, por isso, é muito importante uma iniciativa como a do Sistema Fiems e do Sebrae, que por meio do projeto "Minha Chance", vão fazer uma busca ativa pelas pessoas que podem receber uma qualificação profissional e depois trabalharem nas indústrias e em outros setores.
"Esse é o grande desafio. Convencer as pessoas que existe oferta de trabalho, e oportunidades de qualificação, para que, mesmo quem está trabalhando, possa ter uma remuneração melhor", concluiu.
Fonte: G1/MS